Passados
mais de dois anos sobre a data da publicação do DL 151-A/2000, julgo não estar
em erro ao afirmar, que a esmagadora maioria dos radioamadores nacionais ainda
o desconhece.
Daí
a oportunidade deste artigo.
Para ser rigoroso, a ideia de escrever este artigo surgiu a propósito
de um outro [1]. Nele se alude a uma
proibição (de escuta de comunicações
não dirigidas ao próprio) que na realidade já
não existe.
De facto, a base legal desta proibição
assentava no Decreto-Lei n.º 147/87
de 24 de Março, mas este foi revogado
pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2000 de
20 de Julho, e tanto quanto julgo saber, nenhuma outra norma legal substituiu
ou represtinou a proibição.
Mas as alterações introduzidas pelo DL
151-A não se resumem a isso. Elas abarcam um leque variado de matérias, muitas
directamente relacionadas com a actividade amadora, e exactamente por isso
devem revestir interesse redobrado. Este artigo tem exactamente como objectivo
chamar a atenção de todos das alterações que nos dizem directamente respeito.
Para melhor compreender a mudança operada
pelo DL 151-A/2000, primeiramente há que conhecer o regime anterior. Este
constava do DL 147/87 (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei
n.º149/91 de 12 de Abril), impropriamente chamado Lei das antenas. Este
diploma, conforme consta do preâmbulo, propunha "princípios gerais orientadores da utilização das radiocomunicações".
E nesse âmbito, os Art.ºs 5º, 9º e 17º tinham
implicações directas na nossa actividade enquanto radioamadores. Vamos analisar
cada um destes artigos em detalhe.
O Art.º
5º, cuja epígrafe era "Radiocomunicações
interditas", elencava uma série de restrições. Mas aquela que mais nos
"incomodava" era a que constava da alínea c) e cujo teor era o seguinte:
"c) Captar ou tentar captar radiocomunicações que lhe não são destinadas, e, se tais radiocomunicações são recebidas involuntariamente, não podem ser retransmitidas nem comunicadas a terceiros, nem utilizadas para qualquer fim, nem mesmo a sua existência ser revelada;"
A sua
relevância era tal que esta disposição se encontrava transcrita no verso da das
licenças emitidas pelo ICP, lembra-se?
Confesso que desde a primeira vez que li
este artigo duvidei sempre da sua aplicabilidade. Digo mais: duvido que alguma
vez tenha sido aplicado alguma coima (ou sanção acessória) com base neste
preceito. Mas, independentemente da minha opinião, o que importa mesmo é
conhecer o tratamento actual dado pelo DL 151-A/2000.
Devido a um diferente arrumo da matéria no novo diploma, o artigo com a mesma
epígrafe passou a ser o 11º, e foi
substancialmente reduzido. O artigo actual apenas se refere a emissões,
reformulando a anterior alínea a)
(sobre radiocomunicações ilícitas;) e mantendo na essência a alínea b) (Emitir sinais de alarme, emergência
ou perigo, bem como chamadas de socorro falsas ou enganosas). Logo a proibição anterior está completamente
ultrapassada, sendo de assinalar a atenção do legislador, ao revogar uma
norma totalmente absurda!
Quanto ao Art.º 9, que se referia á "Instalação
de antenas e das respectivas linhas de transmissão", no actual diploma
esta matéria foi objecto de um capitulo
próprio (o IV), intitulado
"Estabelecimento e instalação de
estações e redes de radiocomunicações".
Esta alteração, só por si, já quer dizer
bastante. De facto, em virtude de alterações surgidas na última década no
panorama radioeléctrico, nomeadamente devido á intensa implantação das redes GSM (vulgo telemóveis), deu origem a
uma série de problemas, que não sendo novos, aumentaram significativamente em
número.
Estou a referir-me concretamente á sua
implantação física no território, não só a nível de impacto urbanístico, mas também no que toca á saúde pública. Neste âmbito diria que
"Pagou o justo pelo pecador" (ou numa versão ainda mais popular "os radioamadores comeram por
tabela").
De facto, o novo regime, ainda que
tendencialmente mais dirigido aos operadores das redes móveis, porque o diploma
se destina a todo o tipo de radiocomunicações, acaba por impor uma
regulamentação mais rígida aos radioamadores, quando disso não havia manifesta
necessidade.
Quanto ao articulado, visto de relance, podemos dizer de uma forma
breve, que o anterior Art.º 9º foi dividido em dois novos artigos (o 20º e o
21º). O primeiro versa sobre a "Instalação
de estações de radiocomunicações", e alterou substancialmente o regime
de montagem de antenas exteriores por parte de radioamadores que não são proprietários da habitação onde
residem (inquilinos, arrendatários e outros ocupantes legais). Se antes apenas era necessário dar conhecimento prévio a quem de direito, actualmente passou a ser necessário o consentimento.
Nos casos em que o radioamador habite uma
fracção em propriedade horizontal
(vulgo "andar” ou “apartamento") o direito de montagem poderá variar
em função das circunstâncias concretas da instalação [2].
O resto deste artigo, segue o estipulado
anteriormente, nomeadamente no que toca a responsabilidade civil, sendo esta
(naturalmente) da exclusiva responsabilidade do proprietário da estação.
Novidades, novidades...
Quanto ao Art.º 21º, o seu objecto são as “Restrições ás instalações”. E neste âmbito, foi recuperado parte do
Art.º 9º revogado, nomeadamente no que diz respeito ao acesso á cobertura dos
edifícios e à produção de interferências. Mas há duas grandes diferenças: a primeira é que o n.º 4 do Art.º 9º anterior (que se referia á necessidade de
autorização, no caso de antenas a cruzar a via pública) foi omitido por
completo, o que abre um vazio legal
onde os radioamadores podem retirar vantagem, nomeadamente para montar antenas
dipolo e long wire ;o)
A outra alteração é uma inovação, e por isso parece-me
importante incluir neste artigo a sua transcrição integral:
2- Nos locais de instalação de estações fixas de radiocomunicações e respectivos acessórios, designadamente antenas, é obrigatória a afixação de sinalização informativa que alerte sobre os riscos da referida instalação.
Ora a lei não concretiza exactamente no que
se deve consubstanciar esta sinalização
(será tipo um daqueles autocolantes que costumam acompanhar as antenas Cushcraft?),
nem que tipo de riscos, nem sequer
onde deve ser aposta. Já o mesmo não se pode dizer da obrigação vertida no Art.º 10º h) do diploma actual:
h) Apor, em todas as estações fixas,
no seu exterior e em local bem
visível, uma placa da qual conste a identificação do utilizador e os meios de contacto de quem possa
facultar o acesso à instalação. (o negrito é meu) [3]
A titulo de exemplo, veja-se (na foto ao
lado) como um operador de telecomunicações resolveu a questão (Nota: o número
de telefone e o código de estação foram “apagados” propositadamente por mim)
Devo ainda frisar que, tendo em
conta que em ambos os casos a violação destas obrigações constitui uma
contra-ordenação, cuja coima poderá
variar entre os 99,76 e os 2494 Euro, é aconselhável cumprir o estabelecido,
particularmente nos locais de estações não assistidas (Repetidores, Digi’s, etc.).
Resta ainda acrescentar que no supra
mencionado Capitulo IV, foi aditado
um artigo (o 22º) que reflecte a
preocupação actual sobre os efeitos da
exposição dos seres humanos a campos electromagnéticos, e um outro (o 23º) que encoraja o uso de infra-estruturas partilhadas, como
forma de por cobro a verdadeiros atentados ao património, e cuja poluição
visual é particularmente notória com a proliferação de torres de
telecomunicações (leia-se Estações Base GSM) um pouco por todo o lado. A intenção até é louvável, mas peca por tardia. Adiante.
Quanto a licenças, a mudança foi total. Se
no regime anterior, por via do Art.º 17º, a regra era haver uma licença por equipamento (mas havendo a
possibilidade de excepcionalmente ser
concedida uma autorização genérica), a verdade é que a realidade dos tempos
modernos torna actualmente impraticável tal preceito.
Por tal motivo, o diploma actual (que
dedica um capítulo inteiro a esta matéria, por sinal o mais extenso) resolveu
introduzir o conceito de Licença de Rede
(Art.º 7º) e Licença de Estação
(Artº8º). Naturalmente os radioamadores estão enquadrados neste último tipo,
com as especificidades introduzidas pelo Decreto-Lei
5/95 de 17/Janeiro, nomeadamente as constantes do Capítulo III.
Por outro lado, ainda em matéria de
licenças, no que toca ao seu comércio, o panorama mudou radicalmente. Se anteriormente as licenças eram de todo intransmissíveis (Art.º 19º), na
actualidade é exactamente o oposto. É que o Art.º 14º do novo diploma, ainda que imponha a autorização prévia do ICP
(actualmente ANACOM), admite a transmissibilidade
da licença de rede e de estação.
Ora isto, á primeira vista, parece não nos
importar muito. Mas se pensar-mos que a cada licença de amador está associado
um indicativo de chamada, talvez já
tenha algum interesse prático para alguns. Bem sei que, mais que o provável
exercício do veto da ANACOM, a própria lei (por via do Art.º 16º n.º9 do DL 5/95) proíbe a transmissão da licença de
estação de amador. Mas, uma vez derrogado o princípio que estava na génese
desta imposição, não seria de estranhar se também este fosse ultrapassado numa
futura revisão da legislação de amador (como a que se aguarda há vários anos).
Nesse caso, poderia ser a via negocial
uma via legal para a troca de indicativo (já que outras
existem de prática muito duvidosa).
Talvez para alguns isto seja um absurdo, e
para outros não passe de um caso académico, mas para uma administração que nos
mantém “refém” de um indicativo para toda a vida, que não “recicla” indicativos
usados anteriormente, e que reserva outros tendo como base uma previsão imprevisível
(CT5xxx > CT2xxx > CT1xxx), parece não haver outras alternativas a quem
esteja insatisfeito com o seu indicativo.
E a continuar desta forma, é natural que se
algum dia eu tiver um filho, e se este quiser ser radioamador, o seu indicativo
provavelmente será CT1ABCD. E se eu chegar a ter um neto que siga os
ascendentes, então irá ser um CT1ABCDE, o que será certamente um forte handicap nos concursos, hi!
Em resumo
Findo este breve olhar sobre as principais
diferenças (sob a perspectiva do radioamador) no regime actual das
radiocomunicações, aconselho vivamente a todos quantos ainda não o tenham
feito, a ler atentamente o DL 151-A/2000 [4].
Certamente, com ajuda deste pequeno artigo, não ficarão a tratá-lo por “tu”,
mas ao menos já não será um estranho!
73
F.Costa, CT1EAT
[1] Gonzaga, R.; QRP
- De novo a Rádio-escuta, QSP Nº 248, Fevereiro 2002
[2] Rainho, J.; A
Lei, o condomínio, as antenas... ou a nova «Bem Aventurança»!, QSP Nº 243,
Setembro 2001
[3] Recentemente senti na pele o quanto este ditame
pode ser importante. Após mudança de QTH, estou actualmente em processo de
instalação da nova estação de rádio, e respectiva torre para montagem de
antenas. Devido ao momento actual, onde as estações das redes GSM e ligações
por microndas se encontram debaixo de forte pressão popular, devido a receios
crescentes de produção de doenças por influência dos campos electromagnéticos,
foi com natural desconfiança que os meus vizinhos contemplaram o levantar de
uma torre (auto-suportada) no meu quintal. Com a desculpa (“esfarrapada”) de
não me terem conseguido contactar (por não estar em casa durante o dia, e por
não me conhecerem para me contactar por outra forma), convencidos que se
tratava de uma futura “antena de telemóveis”, resolveram contactar as
autoridades (GNR, Junta de Freguesia, Câmara Municipal, etc.) para indagarem da
legalidade da minha instalação. Escusado será referir o transtorno que esta
situação me causou, e o quanto uma simples informação poderia ter evitado um
processo que se arrastou por semanas, mas que teve um final feliz :0)
[4] Decreto-Lei n.º 151-A/2000 de 20 de Julho, Diário
da República I Série A, N.º 166 pág. 3476-(4) a 3476-(10). Em alternativa
visite a minha página na internet, ou o site
da ANACOM (www.anacom.pt)